Movimento, com mais de 100 entidades alega falta de diálogo com a população. Projeto prevê desapropriações, corte de árvores cinquentenárias e a implantação de pedágios.
Acidentes graves, trânsito caótico diário e a vinda de novos empreendimentos para a região nos últimos anos, só tem piorado e muito a vida de quem precisa utilizar a Rodovia Raposo Tavares. Há anos os usuários e moradores de Cotia e do entorno aguardam os projetos de melhorias que impactem positivamente na qualidade de vida e melhorem o trânsito infernal da chamada "grande avenida". Vira e mexe os projetos são apresentados, já houve inclusive o anúncio de liberação de verba para as obras, mas infelizmente nada saiu do papel.
Projeto Nova Raposo
No início de abril deste ano, moradores de bairros e municípios do entorno da rodovia foram surpreendidos com a notícia veiculada na imprensa falando de um novo projeto do Governo de SP, o “Projeto Nova Raposo”.
O projeto faz parte dos 1,8 mil quilômetros de rodovias qualificados no PPI – Programa de Parcerias de Investimento do Governo do estado de SP e prevê a aplicação de recursos em melhorias nos dispositivos de acesso e retorno, obras de infraestrutura viária, serviços de atendimento com socorro mecânico, guincho, primeiros socorros, além do monitoramento por sistemas de câmeras, com investimento de nove bilhões de reais.
Na região, a proposta é conceder trechos de vias administradas pelo DER - Departamento de Estradas de Rodagem à CCR/ViaOeste, que administra a rodovia após o km 34.
Um exemplo disso seria o trecho inicial da Rodovia Raposo Tavares até Cotia, e a Estrada da Roselândia (SP-029), que interliga a Raposo e a Rodovia Castello Branco, passando por Cotia e Itapevi. Pelo projeto, a ligação Castello Branco - São Roque (SP-053) e o trecho municipal da Estrada do Embu (ligação Embu das Artes-Cotia) também serão concedidos.
O projeto, que prevê a ampliação das pistas e construção de túneis e viadutos causou polêmica ao anunciar a desapropriação de várias residências e comércios, além do corte de árvores cinquentenárias na região do km 11 e grande impacto em parques e áreas verdes na região.
Falsas seringueiras margeiam a rodovia na altura do km 11. (Foto: Sergio Reze)
Pedágios
Além disso, haverá a instalação de seis pórticos de pedágio “Free Flow” entre os quilômetros 11,8 e 39,1 da rodovia, sendo três deles na região da Granja Viana, área densamente urbana.
São eles:
Km 11,8
Km 15,1
Km 19,8
Km 24,7
Km 29,0
Km 39,1
Hoje, o primeiro pedágio fica na divisa de Vargem Grande Paulista com São Roque (km 46).
A íntegra do Projeto Nova Raposo pode ser acessada AQUI.
Nova Raposo, Não!
Após a divulgação do projeto, o assunto gerou mobilização na região e foi iniciado o Movimento “Nova Raposo Não!”. Formado por entidades ambientalistas, moradores e associações de bairros e empresas, o movimento já conta com mais de 100 entidades, que pedem a imediata suspensão do projeto.
As entidades envolvidas alegam que os primeiros três quilômetros da rodovia são bairros exclusivamente residenciais, além do que, em um momento de grave crise climática, com a urgência de preservação das áreas verdes para reduzir a temperatura, o projeto vai na contramão da sustentabilidade pois afetará áreas permeáveis do entorno da rodovia. Além da preservação das áreas verdes, as entidades destacam a urgência do transporte público de massa e de ciclovias.
Rua Hugo Carotini, que margeia a rodovia no km 11. (Foto: Angela Baeder)
Segundo cálculos feitos pelo grupo técnico do movimento, formado por engenheiros, arquitetos, biólogos, urbanistas, especialistas em mobilidade e advogados, o impacto estimado é de 1 milhão de m² de áreas desapropriadas.
Audiências Públicas
Duas audiências públicas foram realizadas, divulgadas apenas no Diário Oficial e limitando a participação popular. As duas reuniões foram realizadas de forma online (no DER) e presencial, em Vargem Grande Paulista.
Audiência Pública em Vargem Grande Paulista, com poucas pessoas.
Audiência Pública realizada em Vargem Grande Paulista no último dia 03 de abril.
Cotia não recebeu nenhuma consulta pública e será a mais impactada, com a instalação de vários pedágios. Os moradores reclamam que não foram ouvidos e não houve nenhuma participação popular na região. O movimento destaca que as duas audiências públicas não foram divulgadas adequadamente em grandes veículos de comunicação e houve a participação de pouquíssimas pessoas, e todo o processo de licenciamento ambiental prevê que haja participação real de público e da sociedade civil, uma premissa da política nacional do Meio Ambiente.
"A duplicação de rodovia de duas ou mais pistas é a primeira delas apontada na resolução CONAMA número 1, de 1986, a primeira resolução que começou a regulamentar a o licenciamento ambiental. O movimento diz que tentou localizar o Estudo de Impacto Ambiental(EIA) e o RIMA, que deveria ter sido apresentado na audiência pública e não localizou. Ao contrário, a gente localizou os mapas do projeto, só que numa escala que não dá para entender o que é que vai acontecer de verdade, porque é uma escala muito pequena. A gente não consegue por exemplo qual é a faixa de mata que vai ser cortada no Parque da Previdência ou no viveiro dois ou no Parque Linear da Água Podre, do córrego Água Podre né? Então tudo isso precisava ter ter sido esmiuçado, detalhado muito mais. Então o que a gente quer é que esse projeto pare, seja suspenso para que haja uma grande informação e discussão com a sociedade civil", ressalta a bióloga Ângela Martins Baeder.
O prazo da consulta pública on-line para dar sugestões já está encerrado, porém, a Secretaria de Parcerias e Investimentos do Estado informou que o projeto ainda está em fase de elaboração e que as manifestações serão levadas em conta.
Depoimentos
Ernesto Kenshi Carvalho Maeda, professor e sociólogo, faz parte do Conselho Participativo Municipal do Butantã - CPM Butantã - e atua em diversos coletivos ambientalistas como os Amigos da Mata Esmeralda, a Rede Ambiental Butantã e o Fórum Verde Permanente, e um dos coordenadores do Movimento. Segundo ele, pelo menos sete parques que sofrerão impacto com o projeto. "É um projeto rodoviarista que prioriza o veículo individual em detrimento do transporte coletivo, com forte impacto ambiental, sobre empresas e moradias na área da obra", destaca. "Nós constituímos alguns Grupos de Trabalho - GT - para dar agilidade. Há o GT Técnico que está estudando o projeto e todos os documentos, com a participação de arquitetos, engenheiros, biólogos, urbanistas, especialistas em mobilidade e advogados. Estamos trabalhando em um relatório preliminar", ressaltou.
Renato Rouxinol, engenheiro pela Escola Politécnica e morador da Granja Viana desde 1970, realiza trabalho voluntário como consultor técnico-jurídico para associações de moradores e de meio ambiente das cidades do Sudoeste da RMSP. "O que a gente esperava era um conjunto de soluções com transporte público, faixa de ônibus, ciclovia, motovia, os sistemas modais, a solução do metrô. A gente quer ver as melhorias em cada um dos trechos da Raposo", relata. "Como que está sendo? Quais são os problemas atuais e o que é que vai ser resolvido em cada um dos trechos? Quais são os erros que existem, é uma estrada perigosa! De repente pedágios aqui na entrada e na saída da Granja Viana. E quando a gente vai analisar, os maiores valores também ficaram para o lado de cá, aqui na região de Cotia. Na audiência (que não ocorreu em Cotia), deveria ser apresentado como vai ficar a cidade após as intervenções", ressalta.
Ângela Martins Baeder, bióloga e professora aposentada do ensino superior vinculado às ciências ambientais, hoje faz parte do CADES Butantã e tem feito um trabalho intenso com vários grupos na região no sentido da conservação de várias áreas verdes e melhoria da qualidade ambiental e da saúde e da vida humana.
A bióloga chama a atenção para os problemas ambientais, de emergência climática e os eventos extremos acontecendo de fato nas cidades. "Esse projeto significa meio que um susto, porque ele vai numa direção exatamente contrária àquela esperada da gestão das cidades, incompatível com esse cenário de emergência climática que a gente está vivendo", ressalta. "Ele é um projeto rodoviarista, que pressupõe uma alternativa de transporte individual, onde se usa combustíveis fósseis, ao contrário do que se espera para melhorar a qualidade de mobilidade e de saúde ambiental e humana nas cidades. O que se espera é que se tenha cada vez mais uma mobilidade maior, mas com acesso aos transportes coletivos", destaca a bióloga.
Segundo Ângela, a grande característica desse projeto é que ele vai na direção contrária à sustentabilidade. "A gente vê as experiências que aconteceram na Castelo Branco, onde Alphaville começou a ter concentração muito grande de carros e aí o que que aconteceu? A providência que o governo tomou foi duplicar a marginal, com o pedágio na marginal também. Só que isso cria um estímulo ao uso do carro e é a pior coisa que pode acontecer hoje. O que aconteceu com Alphaville? Ao contrário do que se esperava, em pouco tempo ela está lotada de novo. Então essa e outras experiências nos mostram que essa não é uma solução. Além de trazer maior geração de gases e efeito estufa, como Gás Carbônico, Gás de Efeito Estufa (GEE), a gente está contribuindo com o aquecimento global", ressaltou.
Para a bióloga, é preciso ter clareza sobre aquilo que vai impactar a vida das pessoas. "Nessa região toda a Raposo já é urbanizada e tem várias atividades industriais, de grandes comércios e muita moradia, inclusive de vários condomínios. E haverá desapropriações e demolições, além da supressão de massa arbórea, que é um problema de impacto ambiental na vida da comunidade. Principalmente aquele início da Raposo Tavares, onde há uma massa arbórea bastante significativa. A permeabilização do solo é o que permite o reabastecimento dos lençóis e dos reservatórios subterrâneos. Quando isso não acontece, toda a água passa pela impermeabilização, pelo asfaltamento e vão para os córregos, o que acaba acarretando as enchentes. Fora a intensificação da incidência do raios solares no solo e o asfaltamento sem ter a recarga de umidade do ar, que a gente precisa para respirar", destaca ela, citando a atual falta de chuva, a temperatura elevada mesmo no inverno, e todos os problemas climáticos que já estão impactando a saúde humana com vírus e doenças e o equilíbrio ambiental. Segundo o projeto, a rodovia também atravessa vários parques (alguns que já existiam e outros recém inaugurados), além de passar em cima de nascentes.
Alternativas viáveis
"Pensando em tudo isso, poderia ter outras alternativas para solucionar o problema, que é a mobilidade da Raposo Tavares, como colocar faixa de ônibus, municipalizar a parte que está de fato urbanizada, poderia lançar mão de VLT - Veículo Leve Sobre Trilhos... Seria uma coisa muito mais simples do que estão propondo nesse projeto. A gente tem uma linha de metrô que faz parte do plano diretor estratégico de São Paulo, que já está previsto para chegar em Taboão da Serra e já está finalizando os estudos para implantar. Tem o estudo da linha 22 Marrom do metrô, que irá até Cotia, tem alternativas de extensão da linha amarela. Ou seja, há alternativas, por isso a gente quer a suspensão do andamento do projeto para poder discutir e entender melhor" e pra poder discutir", finalizou a bióloga.
Abaixo-assinado e plenárias
No dia 16 de abril, o movimento Nova Raposo Não realizou uma audiência no auditório Teotônio Vilela na ALESP - Assembleia Legislativa de São Paulo, com a presença de cerca de 150 pessoas, entre elas ambientalistas, urbanistas, autoridades públicas e público em geral.
Abaixo-assinado já tem quase 15mil assinaturas.
Um abaixo-assinado pedindo transparência e participação popular no projeto já conta com quase 15 mil assinaturas e está disponível no link https://chng.it/drjvHQX4Rh.
Neste sábado dia 25/5, às 14h, no CEU Uirapuru, acontece a próxima plenária do movimento Nova Raposo, Não!
Em Cotia, a "Frente Parlamentar contra o Projeto Nova Raposo" vai debater o tema na quarta-feira, dia 29/05, a partir das 19h, na Câmara Municipal da cidade.
No dia 09 de junho, está sendo organizada uma manifestação na rodovia, o “Ocupa Raposo”, no trecho entre Cotia e Butantã.
"Já comprovamos com técnicos e especialistas que essa não é a solução para a Raposo! Queremos que seja paralisado o projeto, para diálogo com a população. Não queremos desmatamento, desapropriações e nem pedágios! Vivemos uma crise climática! São Paulo não pode ser a próxima tragédia! Por soluções sustentáveis, engenharia verde e inteligência!”, destaca o movimento.
Técnicos e especialistas que não usam a Raposo, só pode. Usam a foto de uma falsa seringueira, que nem deveria estar ali, como justificativa para impedir a melhoria de vida das pessoas. Enquanto isso, que precisa enfrentar o caos da RT todo dia não faz parte das preocupações desses especialistas em mídia. Que seja implantado o mais breve possível esse projeto.